8 de março de 2007

Maria Isabel Barreno
1939





1º Capítulo:

O dilema No dia em que quis publicar um poema sem o devido enquadramento prosaico, disseram-lhe:
— Não pode. Há um problema de géneros.
Sem saber como resolver o enigma, o autor — cha­memos-lhe João, para complicar os factos — interro­gou:
— De géneros? Se me chamasse Isabel poderia publicar o poema?
Explicaram-lhe que não se tratava de géneros gra­maticais, nem biológicos, nem sociais, mas sim de géneros literários.
— Não publicamos poesia.
João recolheu a casa e criou duas personagens. Cha­mou-lhes Paulo e Virgínia para lhes garantir, à nas­cença, ecos literários anteriores.


2º Capítulo:

Um autor em busca de personagens
Paulo, rapaz poeta, inspirado nos seus actos de amor com Virgínia, escreveu:
«Punhalada de cálamo
acutilante em matéria
hesitante
Do veio ou ferida
incipiente pingam as palavras uma a uma
recolhidas
com piedade semântica».
Virgínia, também poeta, que hesitava em ir viver com Paulo no receio de se deixar apanhar nas armadi­lhas do trabalho doméstico, escreveu:
«Na fome das traças na podridão
dos bafios um outro real
se esboça construído
pela falta roído
pela necessidade esculpido».
Paulo, em dia de dificuldades (com dúvidas siste­máticas que começaram na gramática e se alastraram rapidamente a si próprio, ao mundo e ao significado último de todas as coisas), e contemplando Virgínia no acto de fazer a cama onde os dois tinham amado e dor­mido, escreveu:
[...]

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