28 de abril de 2010

Onde é que eu estava no 25 de Abril?

Testemunho
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Naquele 25 de Abril de 1974, luminoso e quente como o deste ano, acordei sobressaltada com o Trim áspero da campainha da porta – não havia telemóveis, eram raros os telefones e as máquinas em geral.
Era a vizinha do 1º andar que, mais ou menos aos gritos, anunciou:
– Ai Senhora Dona L…, anda uma revolução lá por Lisboa!!!
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Dei um pulo da cama e, numa excitação incontida, galguei as escadas até à Dona S... pedindo mais informações. Só consegui saber que as rádios transmitiam apenas música.
De repente, lembrei-me da "Grândola", antecedida pela leitura emocionada e emocionante da primeira quadra, que ouvira na Renascença nessa mesma madrugada. Será que tinha alguma coisa a ver com a dita revolução?
A minha mãe continuava gelada, no patamar superior. Toda a família do lado materno vivia na capital e o seu coração apertava-se de angústia.
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Ligámos a rádio e ouvimos uma música tipo marcha militar. Na TV - a preto e branco e sem comando, apenas ainda com dois programas e a emitir a partir da tarde, nem sombra da Mira técnica. Só uma multidão de moscas freneticamente piscando num fundo esbranquiçado.

Poucos minutos depois estava na rua. O ambiente era o mesmo de sempre: tranquilo e pacato, típico de uma vila da província.
Ao cimo da rua, o posto da PSP também não aparentava quebra da normalidade.
Na avenida Salazar, o movimento era intenso por ser dia da Feira anual. Mas, junto ao Colégio de Santo António, um monte de gente concentrava-se perto da entrada. As portas estavam fechadas enquanto um contínuo, o Sr António, empoleirado numa escada, pintava de branco uns dizeres escritos a tinta vermelha, algo familiares, obra nocturna do activo núcleo do MRPP local: ABAIXO A GUERRA COLONIAL!... e quejandos.

Eu andava no último ano do curso complementar do liceu, antigo 7º ano, e tinha 17 anos.
Mas no Fundão, aos 17 anos, quase todos entrevíamos o que era a resistência ao regime.



Basta mencionar o nome dos irmãos Paulouro, Armando e António, e o do Jornal do Fundão, sob a batuta deste último. Basta lembrar o sussurrar da frase "está cá a PIDE!", por entre o caloroso e comovido aplauso às intervenções da intelectualidade portuguesa, e até internacional, no Encontro Nacional de Teatro realizado um par de anos antes.

Desde pequena que via as ramonas da polícia de choque estacionadas à minha porta sempre na noite de 1 de Dezembro quando, a coberto da Restauração, o povo saía à rua e, já que mais não fosse, afrontava a proibição de ajuntamentos e manifestações.

Houve também uma extraordinária professora de inglês no 5º ano, com quem falávamos dos livros, da música, da vida, da liberdade. Com ela fazíamos sessões de leitura e debate da poesia proibida, copiada à mão em folhas de papel Bíblia, e ouvíamos as músicas do Zeca, do Adriano, do Cília, do Zé Mário Branco, recopiadas em cassetes, roufenhas de tanto ouvidas.

E no ano anterior, durante a preparação da nossa récita de pré-finalistas, tinha havido um lápis azul esquartejando poemas como o "Cântico Negro" e o "Tu Piedade", mais aquele murro no estômago quando, ao telefonar para casa do Zeca – Oh, santa ingenuidade adolescente! queríamos convidá-lo para cantar – me respondeu a mulher, com a voz mais natural deste mundo: "O Zeca está preso. É todos os anos assim por alturas do 1º de Maio...".

A manhã do 25 de Abril de 74 foi mesmo, para muitos de nós então, a luz ansiada, a aurora tão apetecida.

Estamos a precisar de outra.


Então e hoje
Elsa Duarte
Imagens da Net

3 comentários:

Anabela Magalhães disse...

Vou guardar o teu testemunho, Elsa. Obrigada pela beleza da partilha.
Beijinho

AMM disse...

Excelente testemunho minha amiga. Felizes aquelas/es, como nós, que pudemos viver esses momentos. Gostei muito do "remate" final.
Abraço.

EMD disse...

Fico feliz por terem apreciado, amigas.
E senti-me feliz ao recordar, com a nitidez que a escrita exige, aqueles acontecimentos.
Acho que já cheguei àquela idade em que posso começar a escrever as minhas memórias. kakakaka
beijinhos