Ilustres aniversariantes de Fevereiro (II)
A 6 de Fevereiro de 1608, há 400 anos, nascia em Lisboa António Vieira, missionário jesuíta, defensor do índio brasileiro, diplomata, visionário e, sobretudo, insigne orador e prosador, exemplo maior da agudeza e do ingénio barrocos, no dizer de Fernando Pessoa « o Imperador da língua portuguesa ».
Ora apreciem...
«Dizei-me: qual é mais poderosa, a graça ou a natureza? A graça ou a arte? Pois o que faz a arte e a natureza, porque havemos de desconfiar que o faça a graça de Deus acompanhada da vossa indústria?
Concedo-vos que esse índio bárbaro e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte.
Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, - primeiro, membro a membro, e, depois, feição por feição, até à mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois trabalhai e continuai com ele (que nada se faz sem grande trabalho e perseverança), aplicai o cinzel um dia e outro dia, dai uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis não só um homem senão um cristão e pode ser que um santo.»
Padre António Vieira, (s.XVII), pregando em defesa dos índios brasileiros - in Sermão do Espírito Santo
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